Felicidade Alheia

terça-feira, 3 de maio de 2011
Ontem à noite numa sala vazia de uma faculdade tão lotada quanto a sala onde eu estava, sentei pra escrever. Arrumei tudo, pus o caderno aberto posicionado na diagonal para dar apoio ao braço, me armei com uma caneta azul de ponta fina (sempre tenho a impressão que as palavras digerem mais rápido quando escritas à ponta fina, devaneio de aspirante a escritora, enfim...), coloquei minhas melhores trilhas sonoras ao pé do ouvido, atendi uma última ligação, respirei pra concentrar e... nada. É, nada! Nenhuma palavra, nenhum verso, nenhuma vírgula. Não me leve a mal, é que há tanta coisa pra falar, tantos segredos de baú pra contar que simplesmente deu pane; Deixe-me explicar melhor: sabe aqueles dias que você acorda e tem tanta coisa pra fazer, tantos lugares pra ir, tanta gente pra ligar, tantos relatórios pra entregar que dá uma sobrecarga tão inevitável que quando você dá por si já são seis da tarde e você não fez nada do que tinha pra fazer? É bem assim que me sinto agora e juro que vou tentar escrever mas não prometo que este será o melhor texto que você vai ler hoje ou na vida, mas é tentando que se consegue. Segue então abaixo tudo o que eu consegui pôr em ordem depois da tsunami de idéias e contextos que de repente me afogou, saiba-se livre pra ler ou não mas se quer minha sincera opinião, já que chegou até aqui, continue pra decidir você mesmo se valeu a pena ler até o final. Resolvi escrever Ela, agora, sinta-se à vontade...

Ela andava pra cima e pra baixo com um certo livro, Querido John, se não me engano, de um tal de Nicholas Sparks que segundo ela era um gênio dos romances, mesmo que nem sempre acertasse nos finais, que muitas vezes não eram tão felizes (graças a Deus por que no fim de tudo a realidade não são flores) este era o caso de John e Savannah, e ainda assim se recusava a largar o livro antes de ler o ponto final derradeiro, dizia ser falta de respeito ao livro e ao autor parar de ler antes do final, mesmo que algumas partes da história fizessem o leitor querer atirar o tal conjunto de capítulos pela janela de um ônibus em movimento, ainda assim, ela deveria ir até a última palavra. Fora assim com Bentinho, Capitú e Escobar no Dom Casmurro de Machado de Assis quando a traição não é de todo certa (embora ela discuta com qualquer um que discorde que a traição não aconteceu), na Senhora de José de Alencar quando Aurélia consegue o casamento com o amado, Fernando, só pra fazê-lo sofrer infinitamente mais do que ele a fez sofrer tempos atrás quando a trocou por Adelaide motivado pelo recebimento de um dote maior e mesmo o leitor sabendo que ela sofria junto com ele por ser
grande e real o seu amor, Aurélia não deixava de lado o egoísmo, me recordo da irritação que ela sentia quando via a Senhora ser má com o marido e depois chorar queixando-se com D. Firmina, e de novo fora do mesmo jeito com as Memórias póstumas de Brás Cubas quando fingia indiferença a Virgília, quando esta prefere casar-se com Lobo Neves, mesmo sendo a tal Virgília de longe a mulher que ele mais amou e pela qual era capaz de dar a vida caso já não estivesse morto quando contou a estória. A revolta contra o livro vez ou outra a enchia, mas se recusava a fechá-lo antes antes de fazer valer as noites que o escritor passou acordado cantando as letras que hoje ela carregava nas folhas que lia, ou melhor, neste caso, devorava. Lia numa fome voraz não só por dever isso ao Nicholas ou ao John ou à Savannah, comia o romance porque devia a Ele a promessa de enumerar mentalmente todas as características em comum que tinham ou não com esta estória. E foi analisando uma dessas singularidades que ela se encontrou, ou melhor, os encontrou, a frase dizia: "É por isso que não falo aos outros sobre nós, eles não entenderiam". Era isso, bem assim, e por isso ela passara tanto tempo pra entender; lembro como se fosse hoje do brilho nos seus olhos quando foi cercada pela certeza que havia encontrado a explicação para a complexidade disso que eles têm. E estava tão certa que resolveu testar a teoria, foi a ele e perguntou: Vem comigo? e pra surpresa ou confirmação dela ele disse: Vou. Assim fácil? Ela pensou,
desconfiou, e resolveu espremer pra ver se havia exitação: Ainda não sei pra onde, você vem mesmo? e de novo ele deu certeza do que ela já sabia: Sim, vou com você, o lugar pouco importa. Ela se sentiu tão feliz que se deixou ficar surpresa por dias antes de largar a ficha antes que esta atingisse o chão, e ela pudesse se dar conta do quanto era real. E depois de muitos talvez aqui talvez ali ele foi, eles foram parar no horizonte, e enquanto ela me contava isso tinha os olhos distantes, quase nostálgico e um sorriso omisso de canto de boca típico daquelas lembranças de lembrar sozinho porque se a gente tentar descrever pode deixar passar algum cheiro ou alguma cor e isso deixaria a memória menos brilhante, menos mágica e sendo assim corria o risco do ouvinte desvalorizar o todo e isso seria um pecado, daí a necessidade de lembrar sozinha, e eu em silêncio a deixei degustar até a última gota de seu sonho real, ou seria realidade sonhada, seja como for quando ela voltou tinha o rosto radiante e uma expressão de felicidade impossível de ser descrita em palavras. Tentou continuar, não conseguiu. Recolheu-se então ao direito de concluir dizendo que lá onde estavam choveu, as como o céu deles não era o mesmo céu de todos nós, lá, dentro deles, fez sol. E voltaram bronzeados, dourados desta consumação do amor e que de certeza não vai despelar. Ela sabe disso também, tanto que quando tentou narrar as subjetividades destes dias se perdeu novamente nas ruas das memórias e dessa vez foi tão profundo que cheguei mais perto, aspirei um pouco da felicidade que ela exalava, guardei outro tanto na bolsa, deixei-a lá e fui seguindo meu rumo certa de duas coisas: a primeira é que em momento nenhum ela foi menos feliz por eu ter levado um pedaço dessa felicidade, e a segunda é que com o estoque de paz, confiança, esperança, amor e felicidade cheio, prometi a mim mesma que a partir de hoje só paro quando encontrar o caminho de me perder como ela se perdeu. Se vai demorar não sei, só sei que pelo tanto dela que carrego, tenho tempo de sobra.

1 comentários:

  1. Aposto que somente uma pessoa nesse mundo inteirinho consegue ler nas entrelinhas desse texto.

    "E voltaram bronzeados, dourados desta consumação do amor e que de certeza não vai despelar." - Definitivamente não vai. -

    Temos estoque de paz, confiança, esperança, amor e felicidade de sobra.

    I<3USOMUCH!!
    Amor meu!